Pedrinho não passa de uma criança

Este artigo foi publicado em 1968, que mostra uma realidade na época em que existia muitas crianças na pobreza nas ruas, e fala de um garoto chamado Pedrinho, já envolvido no mundo do crime tão cedo, este texto também está sendo publicado para mostrar mais detalhes dos ladrões que existiam antigamente na região e que em breve vamos falar mais sobre aqui no Blog do Foco!
Texto de Dirceu Soares

A cidade de 6 milhões de habitantes está ameaçada, contam os jornais: Pedrinho, ousado assaltante, apavora São Paulo. Nos Bairros, todas as noites, policiais armados de metralhadoras se escondem até em cima de árvores para apanhá-lo de surpresa.

Os jornais estão em todas as bancas e, na Vila Mariana, São Paulo, as notícias policiais que falam de muitos crimes, assaltos e bandidos sugerem uma ameaça á calma do bairro.

A tarde é tranquila. Um garoto passa sem olhar as manchetes, prefere ver as vitrines das lojas de roupas. Parece gostar de andar sempre arrumadinho, veste uma japona marrom combinando com os sapatos cor de café. Constantemente passa a mão nos cabelos pretos que caem na testa clara, quase sobre os olhos castanhos, no rosto simpático.

Um policial que também passeava por ali olha-o por acaso, um menino de boa família, limpinho, tão diferente de tantos outros que andam mal vestidos, roubando ou vadiando pela cidade.

Mas o menino não gosta do guarda olhando-o. Faz uma careta e mostra a língua:
– Nunca viu, cara de pavio?
O guarda acha aquilo um absurdo. Menino malcriado, fazer isso com uma autoridade. É demais: pega-o pela gola da japona, chama um táxi e leva o garoto preso. Quando o menino chega á delegacia, há um rebuliço completo. Os investigadores, apavorados, metem um par de algemas nos pulsos do menino e trancam-no numa sala isolada enquanto gritam para o guarda:
– Cuidado, este pivete é perigoso.
O guarda se sobressalta: Tinha prendido PEDRINHO.”

O MENINO ESCONDIDO

– Pedrinho, quando você foi preso?
– Dia 26 de junho. Foi bobeira minha, mas já fui preso outras vezes e fugi.
Pedrinho está no Recolhimento Provisório de Menores, na Avenida Celso Garcia. Suas roupas bonitas – a japona marrom custou-lhe NCr$80,00 na Garbo – foram trocadas pelo uniforme azul dos meninos presos. E quando leva á cabeça para ajeitar os cabelos, num gesto que se tornou mania, já não encosta mais.

Foram cortados rentes ‘por medida de higiene’. Seus cabelos eram louros, o menino pintou-os de preto, poucos dias antes da prisão, para despistar a polícia. Sem a moldura das roupas e dos cabelos grandes, Pedrinho fica feio: o lábio caído, que o deixa quase sempre com a boca aberta, mostrando os dois dentes da frente quebrados na ponta, o nariz um pouco grosso e a testa franzida. Parece um menino anormal, bobalhão. Mas esta impressão é logo apagada pelos seus olhos castanhos claros muito vivos, que observam tudo sem ser preciso que ele mova a cabeça.

Não parece ter treze anos. Seu corpo forte, o peito largo e as feições quase duras escondem o menino. Está mancando por causa de uma bala que ainda tem na perna. Fala um pouco de arranco, chega as vezes a gaguejar. Trata todas as pessoas mais velhas do recolhimento por senhor e raramente usa gíria, a não ser com seus colegas presos ou nos depoimentos na polícia. Fala pouco, ou nada, se lhe perguntam sobre aventuras, nomes ou paradeiro dos amigos.
– Pedrinho você já almoçou?
– Já. Comi arroz, feijão, um bife grande.
Diz que está gostando do Recolhimento, a comida é boa, e ele fica numa cela com seu irmão Joãozinho, preso poucos dias depois dele. Só tem uma reclamação: gostaria de sair da cela como os outros meninos para tomar sol no pátio. Agora ele só consegue pegar sol nos braços, através das grades da janela. Não aceita cigarros porque não fuma e, de presente, prefere ganhar doces. Doces de pêssego. Roupa não adianta, só pode usar o uniforme.

E JÁ CONHECE TUDO: MACONHA, ARMAS, MULHERES

Fica um pouco acanhado com pessoas estranhas, reação denunciada principalmente pela pontas de suas orelhas avermelhadas. Porém, á medida que a conversa evolui, suas orelhas e suas palavras vão-se tornando mais claras. Chega a rir, mostrando covinhas do lado direito do rosto e perdendo, por complete, o aparente ar de bobalhão. Olha o uniforme azul e faz piada sobre si mesmo, cantarolando:
– Vesti azul, minha sorte então mudou
De repente, fica sério:
– Mudou pra pior. O chato é ficar preso.
Olha a janela, fica calado um pouco, depois dá um sorriso meio safado e conta:
– Legal foi a viagem que fiz a aparecida do norte. Eu e o Nardão, um amigo meu que também foi preso de novo. Ele tem dezoito anos, já é de maior. Conheci ele no departamento de investigações, em fevereiro. Fiquei lá um mês. A polícia botou dezenove anos na minha ficha, de modo que só tinha eu de menor lá na cela, junto com uns dez caras. Passei o carnaval em cana. Aquela vez que viajamos, a polícia estava procurando a gente aqui e nós lá em Aparecida, passeando. Primeiro, fomos para Santos, nos divertimos na praia do Gonzaga. Depois voltamos a São Paulo. A barra continuava pesada e, então, pegamos um táxi e nos mandamos para Aparecida. Que rezar o que? Fomos passear. Íamos ficar só dois dias, pedimos ao dono do Táxi para esperar, estávamos pagando tudo. Mas resolvemos ficar uma semana, o homem veio embora. Passeamos lá onde acharam aquela santa, tiramos retrato diante da igreja. Ficávamos num hotel e comíamos em restaurantes. Tudo do bom e do melhor. A gente tinha 2 milhões para torrar.
– Antes, quando você trabalhava, ganhava quanto?
– Setenta contos por mês. Depois que eu comecei a roubar, todo dia eu tinha mais de cem contos no bolso.

AS LIÇÕES DA VILA

A Vila Clara, onde Pedrinho começou a ficar conhecido como assaltante, é um bairro pobre. Há quinze anos, esse e outros da Zona Sul – Santo Amaro, Americanópolis, Aeroporto, Jardim Miriam, Jardim Consórcio, Jardim São Luis – eram praticamente desligados da cidade.
Todos os núcleos residenciais e operários, que conseguiam ali terrenos, construções e aluguéis mais baratos. Nos últimos anos é que a cidade chegou até lá, levando o comércio e as residências luxuosas, aumentando o desnível social. O asfalto e a boa iluminação não chegaram com a cidade. Há muitas ruas de terra, barracos, terrenos vagos, matos e pequenas elevações, onde um bandido pode se esconder facilmente. Á noite, são comuns os tiros, os carros em disparada, arruaças em portas de bares ou em pontos de maconheiros.
Os meninos pobres, geralmente, começam trabalhando nas feiras como carregadores de compras para as donas de casa. Ali conhecem outros meninos que já furtam e passam a fazer pequenos roubos na própria feira ou pela própria redondeza. O convívio se estende também a bandidos experientes – dentro ou fora de prisões – e cedo os meninos aprendem a fumar maconha, tomar injeção de tóxicos (picada), a beber, a ter relação com prostitutas, a atirar e a se familiarizar com o crime. Do furto, antes apenas para comer, passam a assaltos a mão armada, bem maiores.

Há, tem a vaidade: um querendo superar o outro nas façanhas. E, em todos, uma grande obsessão pelo carro. Roubar um e sair dando voltas, pegando garotas, usando-o para outros furtos, simplesmente, dirigi-lo em alta velocidade é uma grande realização para um menino daqueles.
Agem quase sempre em grupos. E estes grupos se unem, formando um todo, principalmente na autodefesa contra a polícia.

Quem trai, delata ou facilita o trabalho policial pode levar um tiro de qualquer outro bandido. Com medo de uma reação violenta, muitos habitantes da região, que conhecem os bandidos, preferem ficar á margem dizendo sempre “não sei” ou “não vi”.

Quando a polícia aparece, a notícia corre rapidamente pelas ruas estreitas e poeirentas, atravessa os quintais, as portas, as paredes e chega até os bandidos dentro dos esconderijos. Um menino pequeno, uma prostituta, uma velha, eis o meio de comunicação.
O policiamento normal é pequeno. Nas batidas maiores, vem o reforço de Santo Amaro ou do centro da cidade. Sobrinho, um investigador de 40 anos e 24 de polícia, da 43ª delegacia entende melhor aquela gente que a maioria dos policiais. Usa o revólver 38 do lado esquerdo, virado para fora para puxá-lo rápido. Mas não é esta a sua grande arma: é a calma e o tratamento amigável com as pessoas. De uma conversa informal, depois de um “bom dia” ou um “como vai?” pode colher pequenas informações que, somadas e analisadas, levam a bons resultados no esclarecimento de crimes ou na localização de bandidos.
– Na violência é dificil conseguir alguma coisa – Diz ele.
E, no seu dia-adia, vai compreendendo aquele mundo marginal. Conta que nem todos “são feios como pintam”, e já houve casos em que saiu para pegar um “grande bandido” e encontrou um rapaz chorando. Sabe também que, muitas vezes, eles agridem porque são agredidos. Sobrinho tem uma filosofia:
– Quando acabar a miséria, os bandidos da Vila Clara também vão acabar.
Marginalizados, os bandidos também se afastam de outras pessoas e se fecham. Só eles conhecem certos lugares, certos golpes. Também a sua linguagem é diferente: “Vou pro cuntrunco, tem um pinta segurando as pontas nas cabeceiras”, quer dizer: “Vou pra casa, tem um amigo me esperando na esquina.”

A TRISTE REGRA

Miguelão, Joãozinho, Pedrinho e Chiquinho não foram exceções entre os meninos pobres da Zona Sul. Também foram as feiras, começaram com pequenos furtos, conheceram bandidos maiores, frequentaram prostituas, fumaram maconha, esconderam-se, também se fecharam e também falam uma língua própria.
– Pedrinho, e seus irmãos, sua família?
– Estão por ai. Com meus irmãos eu quase não ando. São irmãos como podiam ser amigos ou conhecidos ou qualquer outra pessoa. Depois, esse negócio de andar junto só complica. O melhor é viver cada um pro seu lado. Minha mãe veio me visitar outro dia.

Cada um pro seu lado passou a ser a norma de vida dos quatro irmãos e da própria mãe, Lázara Gabriel, desde que perderam o pai. Chamava-se Jacinto de Souza Andrade, era feirante. As pessoas que o conheceram dizem que foi muito violento, vivia conversando sobre armas dentro de casa, andava com uma faca na cintura. Dizem também que ele matou quatro pessoas. Já velho, em 1965, morreu atropelado perto de sua casa, na Rua da Paz. Era viúvo quando conheceu Lázara, e viveu com ela alguns anos antes de se casar.

BRIGA EM FAMÍLIA, FUGA DA PRISÃO, CASTIGOS

Logo depois da morte de Jacinto, a mulher mudou-se com os filhos para a Rua Rodrigues Alves (Não localizei essa rua no mapa) onde arranjou outro companheiro, Herculano, um baiano que trabalhava como encanador. Os meninos não gostavam de Herculano e nem Herculano deles. Brigavam sempre. Um a um, Miguelão, Joãozinho, Chiquinho e Pedrinho foram abandonando a casa. Passaram a dormir em casas de amigos ou mesmo na rua. Pedrinho foi o último a sair e o único que ainda visitava a mãe e lhe levava dinheiro.

Lázara mora com o Herculano e o caçula, Aparecido, de oito anos, também filho de Jacinto, num barracão miserável, em Americanópolis. Está com uns 35 anos. Não sabe exatamente a idade, nem onde nasceu, não tem nenhum documento. Só lembra que foi criada por uma família em Lambari, Minas. Mas se perdeu quando era ainda menor, a família expulsou-a e ela foi parar no Juizado de Botucatu, São Paulo, como abandonada. Fugiu e veio para as ruas de São Paulo, onde conheceu Jacinto. Sua conversa é desordenada, Lázara parece muito distraída. A fisionomia é de índia, o nariz chato, a côr morena, os cabelos pretos e muito lisos. Também parece muito cansada. Herculano diz que ela veio de Mato Grosso. De fato, Miguelão, Pedrinho, Joãozinho e Chiquinho foram passar o último Natal em Campo Grande, possivelmente em casa de Parentes.

MIGUELÃO E OS OUTROS

Quando os meninos eram pequenos, Lázara obrigava-os a pedir esmola na rua. Nenhum deles ia e ficavam revoltados, falavam em arranjar um emprego qualquer. Depois que jacinto morreu, as coisas se complicaram ainda mais. A casa da Rua Rodrigues Alves era menor ainda que a Rua da Paz. A pobreza aumentou, últimamente Jacinto andava doente, ficou até cego, e não trabalhava mais. Os meninos mais velhos arranjaram pequenos empregos, a mãe lavava roupa para fora.

Miguelão cuidava de cavalos e carroceiros, levava-os aos pastos. Depois, foi tomar conta de carros nos restaurantes Bayuvar, na Avenida Santo Amaro. Nunca foi á escola, nem quando o pai era vivo, foi o primeiro a se corromper, ficando amigo de meninos delinquentes e aprendendo a fumar maconha. Em casa, brigava com o padrasto, com a mãe e com os irmãos. Os quatro meninos dormiam amontoados num só quarto e, muitas vezes, Miguelão tentava se aproximar dos mais novos á força, provocando novas brigas. Quando Miguelão entrou para o bando de Quincão, nunca mais apareceu em casa. Em março deste ano foi preso e, como já tem 18 anos, está na Detenção. É um rapaz forte, abrutalhado, louro, de cabelos bem lisos, gosta de usar camisas coloridas. Seu nome é Antônio, mas nas rodas de bandidos da Zona Sul ganhou o apelido de Miguelão – Que na gíria quer dizer bobão – por causa do jeito caipira.

– Poucos antes de sair de casa, ninguém mais aguentava ele. – Diz Lázara. Nem eu: Não me deixava dormir, me jogava fósforos acesos, me dava murros na cabeça. Não quero ver ele nunca mais. Joãozinho e Chiquinho também não me interessam. Não gostam de mim e eu muito menos gosto deles. Ouvi falar que Miguelão, Joãozinho e Pedrinho estão presos. Só vou visitar Pedrinho, dele não tenho queixa. Só me resta o Aparecido, mas sei que mais cedo ou mais tarde vai seguir os irmãos.

Joãozinho, na mesma cela de Pedrinho, no Recolhimento, fala da mãe como s fosse uma figura distante: 
– Quando a gente dava dinheiro para ela, ela nem queria saber de onde vinha. Dizia que nós temos a nossa vida, sabemos o que fazer dela. No tempo em que o pai vivia, a gente ainda se combinava. Depois veio aquele Herculano que ninguém suportava. O jeito era sair de casa mesmo.

De todos os irmãos, Joãozinho foi o que estudou mais. Foi até o quarto ano primário. Pedrinho largou no terceiro, jamais gostou de aulas, acabou expulso da escola. Como os outros meninos, preferia ir á feira e ficar conversando com os amigos, rindo, vagabundando, ou soltando papagaios. Até hoje lê muito mal.

Chiquinho só fez o primeiro ano. Os três estudaram nas Escolas Agrupadas do Alto da Boa Vista.

Aparecido, o de oito anos, ainda não foi matriculado em nenhuma escola.

Joãozinho está com catorze anos, é alegre, inteligente, mais conversador. Também trabalhou antes de roubar. Fez serviços de entregas, depois engraxou sapatos e tomou conta de automóveis em um supermercado. Ultimamente estava morando em vários lugares e, em cada um, deixava um pouco de suas roupas. As vezes dormia na casa de um sírio, Francisco Charfik, pai de Turquinho, de quinze anos, que também furtava automóveis em Santo Amaro e foi amigo de Miguelão.

Joãozinho não lamenta o olho que perdeu com o tiro. Diz, rindo, que logo se acostumou. A bala já foi extraída, mas o rosto ainda estão os esparadrapos do curativo. Uma outra bala que levou na coxa esquerda, porém, continua lá. não incomoda. Ele conta como foi:

– Eu tinha ido num ciema e encontrei uma turma que estava dando uma volta num carro roubado. Eles iam pra Santo Amaro, me deram carona. No caminho, resolveram assaltar uma padaria. Fui ajudar mas entrei pelo cano: O Padeiro estava armado, apareceu dando tiros, me acertou o olhoe aperna Fui levado para o Hospital das Clínicas e depois para o Juizado e de lá para cá, isso no começo de junho.

O menino estava na enfermaria, olho vazado, mancando, ninguém pensou quele fosse fugir. Joãozinho e outros garotos internados furaram o teto, tiraram as telhas e saltaram pela parede de 4 metros, um destes meninos tinha o pé engessado. Quando Pedrinho foi preso, Joãozinho estava com ele vendo vitrinas. Saiu correndo, hoje, Joãozinho está querendo se ‘aposentar’:
– Estou parado já faz algum tempo. Tenho pensado em partir para os bons atos. Depois, nem dá mais: um olho furado, uma bala na perna, chega. Quando fui preso, agora, eu já ia me entregar. Mas nem cheguei até a delegacia, um tira estava me seguindo e assim que saltei do táxi ele me prendeu.

Chiquinho, de doze anos, ainda não foi preso, anda sumido pela Zona Sul. De vez enquando é visto, alegre, passando num carro roubado em alta velocidade, cantando os pneus nas curvas. É tão pequeno que dirige em pé. Sentado, não alcança os pedais e nem enxerga pelo para-brisa.

AS FAÇANHAS

– Pedrinho, quantas vezes você roubou e matou?
– Não, eu não matei ninguém. Nem sei atirar, disparo o revólver pelo rumo, sem olhar direito. Agora quando fui preso levei muitos bolos nas mãos para contar coisas que não fiz. Esse bandido que estão dizendo que eu matei, nem sei quem é. Quando mataram o padeiro num assalto, eu estava com a turma mas não atirei nele. Não, não é o mesmo padeiro que encrencou com o Joãozinho. Foi outro, da Padaria Moriatan, em Santo Amaro, bem antes. Também não fui eu que matei o guarda-noturno, nem feri o professor. Roubar eu roubei mesmo. Até perdi a conta. Mas gastava logo o dinheiro. Comprava roupas, comia em restaurantes, dava dinheiro para minha mãe, para algum colega, gastava com gasolina nos carros. O Joãozinho tem muita roupa bacana que ganhou de mim.

O jeito de Pedrinho pegar num revólver não é, realmente, de quem atira bem. Já teve vários automóveis. Treinava, dando tiros numa pedreira perto da Vila Clara, com os amigos. Sua vida de assaltante começou em janeiro deste ano. Um pouco antes, ele tomava conta de carros no estacionamento de dois restaurantes de Luxo, na Avenida Santo Amaro. Olhava as roupas e os carros que os fregueses usavam, via o dinheiro que gastavam. Juntando seu salário e as gorjetas, ele recebia NCr$70,00 por mês. Não dava nem para ele, e ainda tinha de levar um pouco para a mãe. Em janeiro, tentou mudar de emprego, foi ajudante de mecânico. Também ganhava pouco. Enquanto isso, seus amigos assaltantes apareciam cheios de dinheiro, dava inveja. Então as aventuras de Pedrinho começaram.

O bandido famoso nos bairros da Zona Sul era o Quincão, um negro forte e feio, de vinte anos. Os jornais falavam dele e, quando a polícia o prendeu, publicaram fotos suas, bem perto, realçando, pelos ângulos, a estatura e feiura.

Na verdade, é baixo e magro, apesar de forte. Tinha um bando grande, formado por rapazes e muitos meninos. Entres eles um ainda iniciante: Pedrinho. Mas logo Pedrinho começou a se destacar, principalmente pela vivacidade e pela lealdade com os colegas. Contam nos bairros que, uma vez, quando a polícia cercou um grupo de garotos, Pedrinho conseguiu escapar. Pouco depois, voltava ao lugar com um carro roubado para apanhar Gelan, ainda em apuros.

Gelan, tempos mais tarde, denunciou alguns amigos. Foi expulso da turma e hoje está se curando de um tiro no pescoço que levou dos meninos.

Também se conta que, uma vez, um carro da polícia perseguia Pedrinho, que dirigia em alta velocidade. De repente, numa reta, deu um cavalo de pau e voltou rápido contra os policiais. Quando os automóveis estavam lado a lado, o menino deu uma coronhada na cabeça de um dos guardas e sumiu. (To achando que tá ficando muito mentirosa essa matéria hahahaha)

A grande festa

Na vida marginal da Zona Sul não há só roubos e mortes, no começo de fevereiro, houve uma festa no dia do aniverário de Quincão. Pedrinho já se tornara conhecido no meio e foi convidado com toda a turma para ir a casa de Nica, amiga de Quincão, comer o bolo de vinte velinhas que ela fizera para o aniversariante. Quincão e alguns outros foram de smoking, houve muitos presentes, carros estacionados na porta, úisque, champanha, conhaques finos e leitão assado. Tudo roubdo, até os enfeites da mesa, a vitrola e os discos de Roberto Carlos e Matt Monro.

De madrugada, quando a festa estava mais animada, apareceu a polícia. Nica tinha exigido que ninguém entrasse armado, os revólveres estavam guardados na sala. O jeito foi todo mundo fugir pelos fundos, no escuro.

Gelan foi o único preso.

Pedrinho gosta de festa, de um bom samba, gosta de brincar de capoeira. Beber, não bebe. Já tomou muitas injeções de tóxicos, quando foi preso tinha os braços marcados.

Teve muitas mulheres, mas nenhuma namorada fixa. Diz que mulher é muito bom mas, vivendo junto, sempre trás complicações. um bandido tem de ser mais livre. Por isso, desprezou muitas meninas que quiseram namorá-lo. Prefere sair sozinho, passear pelo centro da cidade, ir a muitos cinemas onde passam filmes de faroeste e policias. Revista em quadrinhos, lê de vez em quando.

Desde que trabalhou nos restaurantes grã-finos da Avenida Santo Amaro, preocupou-se a andar sempre limpinho e arrumado. Mesmo quando esteve preso no Juizado, fazia questão de tomar seu banho diário e chegou a brigar por ele. Ultimamente andava todo vaidoso e até usava esmalte incolor nas unhas. Quem o via assim tão limpo e tão arrumado, com roupas caras, pensava logo que ele era filho de família rica. E Pedrinho sabia usar isto como arma de defesa. Em algumas prisões, saiu-se bem, dando nomes falsos e dizendo que era estudante.

Há muito tempo – Diz ele – Aprendeu que há os que são tratados melhor na polícia. De outras prisões, diz ainda que consegue sair subornando guardas com mais de NCr$ 100,00

A VIDA MARCADA

Depois que Pedrinho passou a ser notícia de jornal e muito procurado pela polícia, seus passeios pela cidade diminuíram. passava dias e dias escondido. Um dos esconderijos era um sobrado na Rua Quatro, 25, em Vila Clara, conhecido por casa da vó. (Atual Rua João Pedro Ribeiro)

O Sobradão foi construído por um italiano grandalhão, José Antonio Zaqueta, de 59 anos, apelidado pelos bandidos de cumpadrão. Fez a casa para a família mas, quando estava para terminá-la, brigou com a mulher e ela foi embora, levando os quatros filhos. Descrente da vida, alugou parte de cima para uma preta velha, vó, a Ncr$15,00 por mês, passando a morar sozinho no andar térreo. Vó levava para lá umas meninas, algumas se tornaram amantes de elementos da turma de Quincão. Os bandidos acabaram tomando conta da casa. Cumpadrão conhecia todos eles. Com medo de confusão, fingia não saber de nada. A coexistência virou amizade e alguns bandidos chegaram a comer em sua casa.

– Não eram monstros, como muita gente pensa – Diz ele – São humanos como qualquer um de nós. Quando Pedrinho veio para cá, quis bancar o valente. Apontou-me um revólver e disse: “Olha aqui, velho, respeita isso”. Fiquei com pena, era um menino. Dei-lhe um tapa para se corrigir. Ele caiu no chão e não reagiu. Daí pra frente nos entendemos bem.

Um dos últimos carros por Pedrinho foi o de Rivelino, jogador de futebol.

– Soubesse que era dele, não tinha roubado – Disse Pedrinho – Afinal, eu sou corinthiano.

– Pedrinho, é verdade que você já foi preso em pinheiros e levado para Juizado no dia 5 de junho, exatamente quando toda a polícia da cidade estava atrás de você, e conseguiu fugir sem que ninguém descobrisse que era você?
– É, eu me diverti. Dei o nome errado.

Nesse dia, Pedrinho levou dois tiros, um no pulso esquerdo e outro na coxa direita, logo acima do joelho. A bala do pulso entrou e saiu. A outra continua na perna e o faz mancar. Tinha roubado alguns casais e o Trog’s Dog, na Avenida Santo Amaro, em companhia de alguns amigos, usando um carro roubado. Apanharam depois umas garotas, deram umas voltas de madrugada, encostaram o carro na Rua Artur de Azevedo. Ás 6 horas da manhã, um guarda estranhou os meninos dormindo dentro do automóvel e chamou um colega para ajudá-lo a ver o que havia. Nisto, os meninos acordaram e fugiram em disparada . Durante a perseguição houve troca de tiros, Pedrinho saiu ferido e foi preso.

Na 14ª Delegacia, em Pinheiros, Pedrinho disse que se chamava Luis Carlos Gomes, o primeiro nome que lhe passou pela cabeça, e que era estudante de quarto ano do Grupo Escolar Costa Braga. Lavava uma vida simples: De manhã ia a aula, á tarde ficava em casa e á noite dava umas voltas até as 9 horas no máximo. Sobre o Trog’s Dog, explicou calmamente:

– Não sou Ladrão. Estava passeando quando encontrei uma garota conhecida. Ela me apresentou alguns amigos e saímos todos para dar umas voltas de carro. Eu nunca tinha visto os caras antes, não podia imaginar que o carro fosse roubado. Como já era tarde, dormi no carro e só acordei de manhã com os tiros. Acho, alias, um absurdo os policiais atirarem em menores. Preciso ir embora, meu pai deve estar preocupado comigo.

Pedrinho conta que naquela manhã em Pinheiros, antes de ser mandado para o pronto-socorro do Hospital das Clínicas, ficou até as 9 e meia sangrando. Diz mais:
– E, mesmo estando ferido, me amarraram numa cadeira e me deram choques elétricos para que eu dissesse coisas que não sabia.

Das Clínicas, foi levado para o Serviço de Abrigo, e Triagem com uma ficha que não registrava ‘menor delinquente’. A polícia de Pinheiros achou que ele era bobo demais para ser um bandido. Logo que chegou, queixou-se de dores e foi carregado para enfermaria, no primeiro andar, onde ficou sozinho esperando pelo médico. Não perdeu tempo: caiu calmamente pra rua.

No dia seguinte, um repórter levou umas fotos de Luis Carlos Gomes á delegacia de Santo Amaro e todos os investigadores reconheceram, furiosos, que era Pedrinho.

Os policiais teriam de continuar passando noite em cima das árvores, armados de metralhadoras, esperando o menino aparecer.

– Pedrinho, você sabe que, se fugir daqui, a polícia acaba pegando você de novo?
– Sei, mas eu não tenho medo da polícia. São homens como a gente mesmo. Dá pra enfrentar.

Uma semana depois da prisão de Pedrinho, os jornais ainda falavam dele. O dia, um jornal especializado em assuntos policiais, dizia:
“Em virtude dos rumores que versavam sobre a fuga de Pedrinho, na última Sexta-feira, o recolhimento provisório de Menores, onde ele se encontra preso, distribuiu nota esclarecendo que o pequeno bandido está severamente guardado.”

A polícia não tem provas de que Pedrinho matou. Ele vai fazer exames psíquicos no Recolhimento e, se for provada a sua periculosidade, ficará internado no reformatório de Moji-Mirim até completar dezoito anos. Dona Lázara, sua mãe, não tem condições sociais, morais e nem financeiras para se responsabilizar pela saída do garoto e nenhum outro parente apareceu. Se os exames revelarem que o menino não é meu e se ele tiver bom comportamento durante seis mese, poderá ficar em liberdade vigiada. Continuará dormindo no Recolhimento, com permissão para trabalhar fora.

– Então Pedrinho, está disposto a mudar de vida?
– Tenho pensado nisso, saber trabalhar eu sei. Mas vai ser difícil conseguir um emprego. Já estou marcado.

Em breve vamos falar sobre Quincão e seu bando, citados neste artigo!